Não nascemos prontos...

25/02/2015 17:00

 

Então disse Deus: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.” Gênesis 1:26.
 

O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: "O animal satisfeito dorme". Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais profundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.

A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.

 

Por isso, quando alguém diz "Fiquei muito satisfeito com você" ou "Estou muito satisfeita com seu trabalho", é assustador. O que se quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a idéia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é alguém dizer "seu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas”.

Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, nos deixa insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, permanece um pouco apoiado no colo e nos deixa absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?

Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.

 

Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar, emagrecer etc.), ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: Por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para sí próprio.

Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais se é refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.

 

Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na idéia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse, mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando...

Isso não ocorre com gente, mas com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta e vai se fazendo. Eu, no ano 2015, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado, não no presente.

Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, "não convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é claro".

 

Amados e Amadas:

Assim também na vida espiritual. Nós podemos crescer em graça cumprindo as condições do crescimento espiritual mencionadas nas discussões acima. Devemos lembrar-nos que cada passo no crescimento espiritual deve ser dado pela fé e não pelas obras. Alguns bons cristãos fizeram erros verdadeiramente espantosos a êste respeito. Muitos ensinam que o caminho para a santificação está em trabalharmos para isso, chamam à santificação pela fé um absurdo e descrevem o crescimento em graça como a formação de hábitos de obediência a Deus. Isto é surpreendente. O fato é que cada passo de progresso na vida cristã é dado por meio de una nova e mais completa possessão de Cristo pela fé, um enchimento mais profundo do Espírito Santo. Como as  nossas fraquezas, enfermidades e renovados pecados são revelados pelas circunstâncias que enfrentamos, o nosso único auxílio para lhes fazermos frente está em Cristo. Nós só crescemos se passo a passo nos apoderarmos d’Ele mais completamente e  nos ”vestirmos mais com Ele”. Nós só amadurecemos quanto mais depressa nos despirmos da nossa auto-dependência, renunciarmos a qualquer esperança de formar hábitos santos através da nossa obediência, se pela fé participarmos em cada vez mais fundos enchimentos do Espírito Santo, e se mais completamente nos vestirmos com o Senhor Jesus Cristo. Somos santificados pela fé, tão certo como somos justificados pela fé.

 

Digo-o entristecido: Os ensinamentos de muitos pastores são uma pedra de tropeço para a igreja. Sob a sua instrução, os convertidos nunca são estabelecidos em graça, e nunca se tornam úteis ou vivem vidas que honrem Cristo. Tais professores não sabem eles mesmos como crescer. Para instruir convertidos e manter a igreja a caminhar em santidade, o próprio pastor deve caminhar em frente. Ele deve ser um verdadeiro e vital cristão em crescimento. As igrejas deviam recusar-se a ordenar ou chamar um pastor que não tenha mostrado progresso na experiência cristã e que não possua a habilidade espiritual necessária a manter a igreja acordada.

Muitas igrejas em muitas localidades lamentam-se por falta de devoção viva e crescimento nos seus pastores. Os seus ministérios são intelectuais, literários, filosóficos e teológicos no ensino, mas tristemente deficientes em unção, com pouco poder com Deus ou junto do povo. Ensinam o intelecto mas não o coração, porque pregam um evangelho intelectual e não espiritual.

 

É óbvio porque tantas pessoas se rebelam (voltam ao antigo). A razão de ser disto é a falta de apropriada e oportuna instrução sobre a santificação e o discipulado. Mas, para ser apropriada e oportuna, a instrução deve ser ungida pelo Espírito Santo, de maneira a que as pessoas possam ser dotadas com poder das alturas (Lucas 24:49). Os novos convertidos devem ser guiados em coisas espirituais que os tornem estáveis e eficientes no trabalho de Deus. E esta é a única maneira de ser vestido com Cristo e de prestar serviço eficiente no Seu reino.
 

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MEDITANDO COM DEUS